domingo, 17 de janeiro de 2021

 COTIDIANO

Veja, senhora,
            a poesia que está imbuída
            no ato de lavar panelas
            em tirar a toalha da mesa
            e manter a casa arrumada.

Veja, senhora,
            o quanto é poético
            limpar a mesa dos farelos de pão
            e guardar lavada e limpa a louça do café.

É tão poético
            quanto passear num campo de margaridas numa tarde ensolarada de sábado
            ou tomar sorvete na lojinha da esquina
            ou comer algodão-doce no parque de diversões
           
            e quase tão poético
              quanto transar de madrugada
            em cima da mesa da sala.

Sim, senhora, tudo isso é poético
            tanto quanto o esforço do operário
            que caleja as mãos no trabalho pesado
            e incha as veias da garganta ao falar para os companheiros na assembléia do sindicato.

Tanto quanto multidões nas ruas
            exigindo os direitos
            que os errados lhes negam.

Sim, senhora, a poesia se encontra em toda parte
            na rosa e na bucha de canhão
            no lençol da cama e no outdoor
            no sorvete de morango e no punhal ensangüentado
            no jornal de hoje e no fliperama
            na sapiência e na dúvida

            porque tudo isso
            reflete a vivência do homem
            que ama a sua luta diária e que há de sobreviver à exploração
            sob todas as suas formas
            por mais disfarçadas que sejam.

Só não é poético
            deixar a vida passar ao largo
            e sentar-se indiferente na poltrona
            para ver novela na televisão.

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